Gerson, um craque que conta muitas histórias
Por João A. M. Filho, Micheli Barros e Yuri Weber
À primeira vista, parece mais uma pessoa entre tantas nesta multidão. Um trabalhador, com cerca de um metro e oitenta de altura, cabelos brancos, porte atlético, olhos escuros e curiosos. Poderia ser a descrição genérica de uma pessoa qualquer, mas não seria uma descrição sequer perto da realidade de Gerson Retamoso Centurião.
Desde que se chega à frente de uma casa simples, bem iluminada e cheia de cães de estimação, percebe-se o clima familiar e hospitaleiro do anfitrião, ex-jogador de futebol e um amante do esporte. Aos 50 anos, Gerson teve uma carreira rica de histórias, de vitórias, títulos, derrotas e situações curiosas. Foram cidades, pessoas, estados e um país percorrido de norte a sul em cerca 19 anos de carreira, desde as categorias base até o futebol profissional. Hoje trabalha como representante de vendas em Santa Maria , no Rio Grande do Sul.
A vitalidade e a curiosidade dão um aspecto jovial a um homem calejado pela vida de jogador. Esposo de Rosana e pai de Fábio e Fernanda, Centurião conta que a paixão pelo futebol está no sangue. O irmão Robson também foi profissional, inclusive jogaram um contra o outro em um Gre-Nal pela final do Campeonato Gaúcho de 1983, vencido pelo Internacional, pelo placar de 1 a 0, gol marcado por Gerson. Um jogo muito comentado na época. “Gre-Nal tem uma atmosfera diferente, é uma semana especial. Durante essa semana, eu era proibido de visitar meu próprio irmão, que jogava pelo Grêmio”. O detalhe interessante é que o Grêmio havia vencido a Copa Libertadores da América na quinta-feira daquela semana. E o então presidente do Grêmio, Fábio Koff, disse que não adiantava nada conquistar o mundo e perder um Gre-Nal”, relembra Gerson. Isso era só uma amostra do clima que se formava pré-clássico. E com a camisa colorada, Gerson marcou o gol da vitória colorada. “Marcar um gol na final do campeonato sempre é bom, e logo após a conquista da Libertadores pelo Grêmio, mesmo com time reserva, foi uma felicidade”.
Bom com as duas pernas, Gerson conta que era um meio-campista que distribuía o jogo para o ataque e a visão de jogo com um toque de bola refinado era sua principal característica e seu maior diferencial como atleta. “Certa vez, um treinador queria que o time conseguisse dar passes sem errar, então ele fazia um treino e obrigava os jogadores a dar três toques na bola antes de fazer o passe, como eu dava apenas um toque e já passava, logo recebi uma ‘chamada’ do treinador, ele queria que eu fizesse como os demais”. No entanto, Gerson recebeu essa “chamada” por ser um jogador diferenciado. “O técnico disse que ele estava tentando fazer os outros jogadores aprender, e eu já estava pronto, que era inteligente, mas tinha que dar exemplo”. Era de se esperar essa qualidade e visão de jogo de um homem que tem como ídolo um ícone do Sport Club Internacional, Paulo Roberto Falcão.
Natural da cidade de São Borja, Gerson foi um andarilho do futebol. Jogou em clubes do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Bahia, Pernambuco e Ceará. Ele conta que as coisas mudaram muito no futebol, e mudaram para melhor. “Hoje existe um trabalho personalizado para cada jogador e os salários são muito melhores. Eu costumo dizer que hoje é um pão-de-ló, já na minha época, nós comíamos carne de pescoço”. As dificuldades daquele período iam desde a falta de material esportivo ao atleta jogar sem receber salário, “Era por amor ao esporte mesmo”. Gerson lembra com carinho, no entanto, pensa que as coisas não melhoraram para os clubes de Santa Maria, especialmente o Internacional: “Falta quase tudo em relação à minha época, o torcedor não comparece mais, não existe apoio e falta profissionalismo.” Gerson conta que Santa Maria tem plenas condições de ter dois clubes de futebol em posições de destaque, mas não percebe nenhuma movimentação que faça isso acontecer, “Acho uma pena”.
Ao falar sobre esporte, percebe-se o olhar jovial e carinhoso quando Gerson se refere ao esporte: “Esporte é saúde, é vida, é disciplina”. Ele ressalta que não teria dúvidas caso uma criança lhe perguntasse se valia a pena ser jogador de futebol. “Eu incentivaria sempre, o esporte faz parte de mim e de toda a minha família, desde meu pai e meus irmãos.” O próprio pai de Gerson é a prova dessa paixão pelo esporte. “Meu pai veio do Rio de Janeiro constituir família na beira da barranca do Rio Uruguai”, brinca. “Meu pai foi um militar e jogava futebol, jogava basquete, jogava futsal, praticava hipismo, pára-quedismo e isso, também, faz parte da minha vida”.
Colorado de coração, Gerson trocou de lado quando começou a jogar pelo Internacional. “Eu era gremista quando gurizote, até brigava com meus irmãos que torciam pelo Inter, mas isso passou, o fato de jogar pelo Inter e conhecer a estrutura me fez ter um carinho especial pelo clube”. Um fato curioso é que o irmão e adversário na época em que defendia as cores do Grêmio, Robson Centurião, era torcedor do Internacional. Uma inversão de papéis no mínimo curiosa. “Eu originalmente gremista e o meu irmãos colorados brigávamos, hoje eu brinco com essa situação, pois eu lembro que eu era um defensor ferrenho do Grêmio, hoje eu sei que brigar por causa de futebol é bobagem”.
Sobre a aposentadoria, Gerson vê com tranquilidade o fim de seu ciclo como jogador profissional. “Os primeiros dois anos foram difíceis, sentia muita falta de jogar, mas isso passou e hoje acompanho pela televisão esporadicamente”. No entanto, os olhos de menino brilham quando perguntado se ainda joga, mesmo que por brincadeira. “Ainda jogo o campeonato de veteranos em Santa Maria , mas a idade e as lesões cobram o preço.” Porém, ele brinca sobre as situações que isso proporciona. “Minha mulher diz que agora eu sou atleta de fim de semana, sabe como é, tem o jogo, o churrasquinho depois da partida, a cervejinha, às vezes acaba causando uma demora pra voltar pra casa”. Com mulher não se discute, diz o adágio.
Sobre o futebol atual, Gerson sorri quando perguntado sobre a chegada de Kleber, o “gladiador”, no Grêmio. “Vi uma entrevista dele falando sobre o temperamento difícil que possui. Concordo que só o tempo nos faz aprender e desejo sucesso para ele”.
Mesmo mais de quinze anos após aposentar-se do futebol profissional, se percebe em Gerson que foi apenas o fim de um ciclo. O amor ao esporte permanece e, além de representar saúde, representa a rica história de um vencedor. Gerson se despede da reportagem para fazer o que mais gosta, jogar futebol pelo time de veteranos do Montese, que participa do campeonato de veteranos de Santa Maria, que conta com mais de três mil atletas.
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